1. Falar da vida dos outros
2. Viajar
Só a palavra VIAGEM traz em si um poder de "endorfinizar" cada centímetro quadrado de um ser humano.
Desde o planejamento até sua concretização.
Quanta riqueza quando abrimos mente e coração para uma nova experiência, um novo lugar, outra língua, outra cultura.
Sim, precisamos estar abertos, pois em regra geral, vivencia-se intensamente em um curto espaço de tempo.
As surpresas podem ser excelentes, fantásticas, celestiais assim como decepcionantes também.
E saber disso de antemão poupa fios brancos a mais em nossa cabeça.
Segue então o que aconteceu numa de minhas viagens pela Alemanha.
Fazer as malas e por o pé na estrada...
Ok, não planejei quase nada para esta viagem, mas quando chegou a notícia de que acompanharia um grupo de agentes de Turismo pela Rota da Reforma Protestante, um turbilhão de memórias chegaram.
Pois para mim pessoalmente, Martinho Lutero (Martin Luther, em alemão) foi um homem que mudou a historia não só de uma religião, mas de um jeito de viver em comunidade - com o próximo, com o governo, com Deus, com a natureza.
E essa mudança instalou-se na minha família, tanto com meus avós paternos alemães quanto com meus avós descendentes de italianos.
Já comecei em casa a ler blogs e sites sobre sua vida, sua história, queria respirar o ar de 500 anos atrás!
O roteiro consistiu percorrer em 6 dias 9 cidades da Alemanha finalizando em Berlin - e sem Berlin no roteiro, uma viagem à Alemanha não vale!!
Partindo do Aeroporto de
- Frankfurt am Main de ônibus para Nürenberg (1ª noite),
- Coburg, Eisenach (2ª noite),
- Erfurt, Dresden (3ª noite),
- Leipzig (4ª noite),
- Torgau, Wittenberg e Berlin (5ª noite).
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TORGAU - Schloss Hartenfels, palco do Renascentismo e da Reforma Protestante. Aqui foi construída a primeira Igreja Evangélica. |
O tempo de viagem dentro do ônibus entre um local e outro não é grande (com exceção da primeira etapa Frankfurt-Nürnberg que foram 3 horas).
Mas nas demais vezes é suficiente para dar aquela descansadinha, pois caminha-se bem dentro de cada uma destas cidades.
Os hotéis selecionados localizam-se próximos ou até dentro da Altstadt (cidade antiga).
O foco é conhecer o centro antigo, passeando a pé.
Na maioria destas cidades ainda há parte dos muros que as protegiam.
Visitam-se os principais monumentos e palácios. E claro, come-se bem em cada lugar.
Em Coburg e Eisenach, estão os dois castelos incluídos neste roteiro.
A visita guiada mostra além dos aposentos de Lutero, outros locais interessantes e preservados destas duas maravilhas.
Ambos ficam no alto de colinas e a vista é encantadora.
Nestes dois castelos Lutero viveu por um tempo, guardado daqueles que tentavam contra sua vida.
Quase que em uma clausura, ele utilizava seu tempo para escrever cartas, defendendo suas teses e traduzindo a Bíblia do latim e grego para o alemão.
Sobre esta viagem, espero contar a vocês em mais detalhes em breve.
Já no último dia, fomos a Torgau e então Wittenberg, lá todos querem conhecer a casa onde morou por tantos anos Martinho Lutero e a Igreja onde ele pregou suas 95 teses.
Mas tanto em Torgau quanto em Wittenberg, nossos olhos se voltaram para ela. E é aqui que vou falar da vida de alguém.

Katherinen von Bora, arretada?
Ela aos 5 anos foi deixada pelo pai, um nobre alemão empobrecido, viúvo e prestes a se casar novamente, no convento de onde também sua tia vivia. Legal né?
Mas naquela época acreditava-se que no convento, as meninas receberiam uma educação melhor. Mesmo sendo verdade, dói pensar numa criança sem os pais...Bom, mas lá viveu em clausura, tornando-se noviça aos 9 anos.
Ela aprendeu a ler e escrever, além do latim.
Conheceu a medicina natural e utilizava ervas e chás para cuidar de idosos e doentes.
Aos 18 anos, ouviu sobre as teorias do monge Lutero, e buscou para si e para algumas amigas conhecer mais e ficou convencida de que não precisava de todo aquele sacrifício e seguir no convento para servir a Deus, ser aceita e amada por Ele. Escreveram então para suas famílias. Queriam voltar pra casa... recomeçar...
Não tiveram apoio... claro!
Katherinen então escreveu à Martinho Lutero em Wittenberg e ele providenciou um meio de fuga para ela e as demais.
Um amigo dele, comerciante , entrava no convento de tempos em tempos levando suprimentos, alimentos e bebidas e elas então, conseguiram escapar dentro dos barris de peixes (vazios? sei não...)
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Lutherhaus, salão do monastério adaptado para os treinos de oratória de Luther e seus alunos. |
Lutero então preocupou-se em dar um "bom destino" às moças.
Pense que naquela época, o que eram as mulheres? Que direitos tinham? Alguma voz?
Depois de dois anos todas elas estavam "encaminhadas", trabalhando, com suas próprias familias, casadas. Menos Katharinen.
Ela dizia que não queria estar com alguém que não fosse o Dr. Lutero ou alguém parecido.
Ela respirava aquela revolução, participava das reuniões, interessava-se pelos debates.
Lutero por sua vez com 42 anos e ela com 26, não pensava em casar-se. Acho que ele era aquele tipo preguiçoso.... não queria "mais trabalho", rsrsrsrs
Aliás, mesmo para ele, ainda era um tabu padres casarem-se.
No entanto, decidido, casou-se com ela e o Príncipe Frederico, que protegeu Lutero sua vida toda, e simpático às suas idéias, apesar de só confessar a nova fé quase no final de sua vida, deu-lhe um monastério desocupado em Wittenberg para morarem.
Depois de um ano casados, Lutero escreve a um amigo: “Minha Kathe é, em tudo, tão dedicada e encantadora que eu não trocaria minha pobreza pelas maiores riquezas do mundo”
Wartburg, castelo onde Lutero escondeu-se por 1 ano e onde traduziu o Novo Testamento
e anos mais tarde: “Não há na terra um laço tão doce, nem uma separação mais amarga como a que ocorre num bom casamento. Não há relação mais bela, mais amável e mais desejável, nem comunhão e companhia mais agradável do que a de marido e mulher num casamento feliz”.Acho que ele ficou bem feliz, viu?
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Lutherhaus em Winterberg |
Tiveram 6 filhos juntos, 3 meninos e 3 meninas, mas 2 delas morreram. Katharinen viveu até ver seus filhos adultos.
Quando você entra nesta casa.... vê os detalhes, lembra de quanta gente hospedou-se lá.... sim, a casa vivia cheia! Todas as noites cerca de 30 pessoas sentavam à mesa. Eram alunos, viajantes, filósofos e professores da Universidade de Wittenberg convidados por Lutero a estar com eles nas refeições e Katharinen administrava a hospedagem.
blackPra isso ter dado certo, no mínimo ela era do tipo "camarada", por certo controladora e até por que não, durona em muitas vezes... mas doce e imagino ela sorridente, uma mulher que sabia expressar-se.
Certamente, apesar de ter suas ajudantes, havia muito trabalho e mais ainda o que ouvir, conversar e participar.
Com esta renda extra, ela comprou um sítio, gado e cuidava de sua manutenção. Tinha um orquidário, uma cervejaria e criava peixes.
Tudo isso provisionava sua casa. Assim, não havia falta de nada.
E ainda, exerceu acho que seu sonho de ser arquiteta....
idealizou uma porta de entrada, onde podia-se sentar e apreciar a vista do jardim. Mandou trazer a pedra especialmente desenhada para ornamentar o pórtico.
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Jardim da Casa de Katharinen e Martin Luther - Winterberg |
Também, depois de tantas reformas, ela sabia onde exatamente comprar pelo melhor preço. As reformadoras que lêem me darão razão!
Essa super administradora também era um apoio firme para Lutero. Ele, perseguido e não compreendido muitas e muitas vezes, tinha crises de depressão, e era ela que o suportava, relembrando-o de sua fé, de suas bases. Agora pense nesta mulher em plena TPM.... ou então convivendo com a possibilidade iminente do marido ser assassinado... crises, doenças, tragédias.... acho que além de boas doses dos chazinhos que ela sabia preparar, ela se valeu de sua fé, de sua força interior e daquilo que faz parte do gene feminino.... determinação e coragem.
Dá gosto falar de uma mulher assim, que viveu de forma que até hoje nos serve de inspiração, mesmo numa época que... ts! Há 500 anos atrás nem se falava em direitos femininos....
Uma vida que capacitou outros a mudar a história, a fazer história.
Quando terminei de ler o resumo de sua biografia, estava sentada na Igreja St Marie em Torgau, local onde Katherinen está enterrada.
O organista oficial do "órgão de tubos" da cidade viu nosso grupo caminhando na rua e nos abordou, perguntando se queríamos ouvir uma "palhinha" dentro desta Igreja... e lá fomos nós.
E eu, pensando em tudo no que viveu esta mulher, não pude conter... Lagriminhas rolaram....
“Minha querida Kate me mantém jovem, e em boa forma também… Sem ela, eu ficaria totalmente perdido. Ela aceita de bom grado minhas viagens e quando volto, está sempre me aguardando com alegria. Cuida de mim nas minhas depressões e suporta meus acessos de cólera. Ela me ajuda em meu trabalho, e acima de tudo, ama a Cristo. Depois Dele, ela é o maior presente que Deus já me deu nesta vida. Se algum dia, vierem a escrever a historia de tudo o que já tem acontecido (a Reforma), espero que o nome dela apareça junto ao meu. Eu oro por isso…”.
Informações extraidas do livro Grandes Mulheres da Reforma, de James I. Good
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